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Kiko Martins chega pontual à sua Cevicheria. Debaixo do gigante polvo que decora a sala, uma peça de arte famosa no Instagram (e não só) e que rivaliza com os pratos servidos à mesa e ao balcão, vai cumprimentando o staff com a energia de um miúdo a regressar à escola depois das férias de verão. “Adoro estar aqui”, sorri, bem-disposto.
Inaugurada em 2014, a Cevicheria foi o terceiro restaurante aberto por este chef-gestor, que há meia vida atrás nunca pensou em vir a trabalhar na restauração. “Queria lá bem saber de cozinha. Para mim, a cozinha era uma forma de subsistência”.
E entende-se bem o porquê de tal afirmação: Kiko cresceu numa família grande, sem tiques de fartura onde a política vigente era a do desperdício zero. “Quando o rei fazia anos, a minha mãe oferecia-me um misto quente”, recorda o mais novo de oito irmãos.
O misto quente, em todo o seu exagero de fiambre e queijo derretido, é das lembranças mais carinhosas que guarda da infância passada no Rio de Janeiro. Mas do que este filho de pai português e mãe brasileira, com origens transmontanas, mais gostava era do churrasco. “Comecei a brincar na cozinha à volta do fogo”.
De vez em quando, também fazia uns bolos de chocolate, que vendia aos vizinhos, à fatia, e em casa usava os momentos de refeição para subir na consideração dos irmãos: “Como era o mais novo, era aquele que levava mais porrada [risos]. Percebi, desde muito cedo, que a cozinha era um bom spot para ganhar pontos aos meus irmãos. Punha a mesa, tirava a mesa, fazia esse tipo de tarefas. Cozinhava para conquistar pessoas”.
Na essência, pouco mudou desde então. Se é verdade que Kiko já não “leva” dos irmãos, também o é que continua a olhar para a cozinha como o lugar privilegiado para conquistar pessoas.
Fá-lo com um gozo inegável, mas também com olho de gestor, ou não fosse essa a sua formação académica de base. Ao lado dos sócios António Barros e João Louro construiu um negócio-irmandade responsável por cinco restaurantes lisboetas e por cerca de 150 trabalhadores. Mas antes de ter um pequeno império, Kiko teve que errar e ser errante.
Primeiro, veio o curso em Paris na prestigiada instituição Le Cordon Bleu. Aconteceu em 2004, depois de uma experiência marcante no restaurante da Estufa Fria, em Lisboa, que o desviou definitivamente da Gestão e do Marketing. “Apaixonei-me por aquilo, pelo ritmo maluco da cozinha”.
Quando regressou a Portugal, depois de estágios em sítios privilegiados como o Fat Duck, do chef Heston Blumenthal, estava “cheio de pica” para abrir um restaurante seu, onde os seus amigos pudessem comer sem pagar um balúrdio. Foi assim que nasceu o Mastige, nas Avenidas Novas.
Certa vez, foi de tal forma rápido, que os tabuleiros com a empada de camarão e bróculos que segurava na mão caíram ao chão. Faltavam 20 minutos para abrir o restaurante, o que fazer? “Criei um prato do dia do pé para a mão, que se tornou no prato mais vendido do restaurante! Abri umas alheiras, pu-las em massa brie e fiz um folhado com arroz de espinafres.” Ainda hoje os amigos se riem do episódio e, quando menos contam, levam com o folhado na mesa, por carolice.
O Mastige teve uma vida curta e intensa de dois anos e se fechou, não foi tanto pela insustentabilidade do negócio, mas pela simples razão de Kiko se ter apaixonado. “Quando conheci a Maria [Bravo] larguei tudo”. E foi o melhor que fez. A partir daquele momento, o Mundo abriu-se para si.
Já casados, Kiko e Maria tomaram a decisão de ir para Moçambique, como missionários. “Saí da abundância da cozinha e caí ali, num sítio em que lidei com a fome todos os dias. Aprendi a viver com menos. Foi uma super experiência”.
Nenhum dos dois queria voltar para Portugal, findada a missão. Tinham vontade de correr o mundo de uma ponta à outra, mas o dinheiro não era elástico. Surgiu-lhes então a ideia de ficarem alojados em casas de família, aprendendo sobre os costumes e a gastronomia de cada país e transformando essas experiências numa série de crónicas.
Maria, tendo formação em jornalismo, pôs-se a contactar várias redações. O Expresso, através da revista Única, mostrou-se interessado no projeto e a viagem seguiu em frente. “Escrevemos 52 crónicas semanais ao longo de 14 meses”, refere, recordando a hospitalidade do Nepal, as filmagens em Tijuana, no México, que quase fizeram com que fossem assaltados, as caminhadas de madrugada na Nicarágua, a estética cuidada e simples do Japão e outros momentos mais difíceis: “No Líbano, o Hezbollah quase nos raptou. No final, aprendemos a viver com mais leveza”.
As crónicas, posteriormente, deram origem ao livro Comer o Mundo (2011), onde as histórias do casal se misturam com receitas de cada país onde estiveram, do Peru ao Vietnam, do Irão à Índia.
“Foi a coisa mais bem feita que eu fiz depois de me casar”. Desse livro, nasceu uma nova inquietação: Kiko queria voltar à restauração e pôr tudo o que aprendeu à mesa.
O caminho não foi fácil, até porque na altura em que regressou, Portugal estava sob a mordaça da Troika. Entre biscates e passeios a pé por Lisboa, teve uma epifania: “Vou abrir uma casa de carnes!”.
Os talhos, explica, estavam “velhos e gastos” e ele quis mexer com o meio, abrindo um talho de carnes premium associado a um restaurante. Nasceu assim, em 2013, O Talho. “Era um restaurante novo para a altura. O objetivo era que as pessoas comessem menos carne, mas de melhor qualidade”.
A seguir a’O Talho veio a Cevicheria, em 2014, com foco nos ceviches peruanos; O Poke, transformado este ano em El Mar e que serve peixes e mariscos no sétimo piso do El Corte Inglès, abriu em 2017; em 2019, regressando às origens cariocas, surgiu O Boteco e, três anos depois, o Las Dos Manos, um “mexicano com um toquezinho do Japão” e com “comida boa para se comer com as mãos”.
Finalmente, em 2024, Kiko Martins abriu o Le bleau, em Campo de Ourique, uma primeira abordagem ao fine dining que, entretanto, ficou em suspenso. O motivo? Em 2026, Kiko Martins quer investir a sério na alta gastronomia. “Sempre foi um objetivo meu chegar ao fine dining”, confessa. Se isso será compatível com o Le bleau, só o tempo e a operação dirão.
Nem tudo foram rosas ao longo do percurso deste chef, sportinguista de coração e amante de Legião Urbana e de leite condensado, duas doçuras servidas em canção e à colher. Com a pandemia, viu-se obrigado a fechar dois restaurantes: O Asiático, inaugurado em 2016, e o Surf & Turf, em 2017.
“É horrível fechar um restaurante. O COVID foi um grande caos.” Antes disso, em 2019, já Kiko Martins tinha experienciado outra situação dura. “Foram 24 horas que me magoaram muito”, diz sobre a polémica em torno do concurso internacional “La Patata Marciana”, promovido pelo Centro de Astrobiologia de Madrid, filial da NASA, em parceria com o Centro Internacional da Batata.
“Esforcei-me imenso, levei 80 quilos de gelo seco comigo para Saragoça, ganhei o concurso e quando cheguei a Portugal fizemos um press release que dizia ‘Chef Kiko vai mandar comida para a NASA’, ou algo parecido.” A alusão à NASA, “talvez um pouco abusada em termos de discurso”, reconhece, foi o que fez estalar a polémica e que deu origem a um artigo que o chef considera de “fraudulento”.
O bacalhau com batata e chouriço não chegou a viajar para o espaço, mas também não lhe arruinou a carreira, até porque por essa altura já Kiko tinha nome na praça. Parte da sua notoriedade foi construída pela presença em programas de televisão. A primeira experiência deu-se em 2013, com o Chefs’ Academy, da RTP. “Fui super mal preparado para o casting, porque li o e-mail na diagonal”, conta, partilhando que consigo só levou uma courgette e um ovo.
“Era tudo o que eu tinha no frigorífico”. Improvisou uma aula de cortes, fez tudo o que era possível fazer-se com um ovo e, dois dias depois, recebeu um telefonema a dizer que tinha sido selecionado para o programa. “Não estava nada à espera e também não estava nada à espera de gostar tanto de fazer televisão”.
Tomando-lhe o gosto, foi um dos protagonistas do Cook Off - Duelo de Sabores (2015) e em 2017 integrou o painel de jurados da primeira edição do Masterchef Celebridades, da TVI, ao lado dos chefs Rui Paula e Miguel Rocha Vieira.
Contudo, os programas que lhe dão mais prazer são aqueles em que tem de lidar com jovens cozinheiros, como o Masterchef Júnior, do qual foi jurado na edição de 2025. “Gosto mesmo de crianças e de me relacionar com elas. Elas trazem-me tranquilidade, mas também mais responsabilidade”.
Em casa, tem quatro filhos por quem olhar. Matias, de 8 anos, “é um craque a temperar saladas” e Gabriela, de 12, é a que mais gosta de andar pela cozinha. Nenhum tem como sonho vir a ser cozinheiro, mas também Kiko não o tinha na idade deles.
Quiçá, se o destino der uma cambalhota, algum dos filhos não corra o mundo, provando-lhe os sabores, e engrossando a lista de restaurantes da família, seja na terra ou no espaço.
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