Desculpe, não há resultados para a sua pesquisa. Tente novamente!
Adicionar evento ao calendário
Tiago Bonito tem uma atração indisfarçável pela beleza. A composição dos seus pratos nem é de excessos barrocos nem de minimalismos contemporâneos. É, talvez, uma aproximação mais romântica à arte, noturnos de Chopin que se valem de uma falsa simplicidade, da respiração antes da frase. Percorrer um menu da sua autoria é descobrir as subtilezas dos elementos e dos ecossistemas formados por si.
A sua linguagem enquadra-se com a do Palacete Severo, edifício classificado, do início do século XX, agora restaurado como unidade hoteleira e para onde Tiago se mudou em maio de 2024. “Quero agarrar o ADN das paredes”, diz o chef de 38 anos, sentado ao nosso lado, depois de apresentar o menu de degustação do Éon, o restaurante gastronómico deste novo boutique hotel portuense. Di-lo rodeado pele requinte e conforto da madeira trabalhada da sala, sob o testemunho silencioso dos restantes 20 lugares, que, àquela hora adiantada da noite, já estavam vazios.
O Éon – termo que designa um tempo para lá do tempo, que não tem início nem fim – é o regresso de Tiago Bonito ao fine dining, depois de uma passagem de sete anos pelo Largo do Paço, da Casa da Calçada, em Amarante. Quando o hotel amarantino do grupo Relais & Châteaux fechou para obras, em janeiro de 2023, o chef natural de Carapinheira do Campo, concelho de Montemor-o-Velho, viu-se com uma decisão em mãos: ou continuar no projeto e assumir a cozinha do Real, restaurante do Porto pertencente ao mesmo grupo, ou desvincular-se por completo. Optou pela segunda via, mesmo não tendo sido uma decisão fácil, admite. “Foi a casa onde estive mais tempo”.
O Palacete Severo, projeto que conheceu em setembro de 2022, foi a oportunidade de Tiago assumir um desafio no Porto, depois de já ter passado por Lisboa, Troia, Algarve e Amarante. Ele conhecia bem a cidade, até porque a sua mulher, Angélica Salvador, “mora” lá desde 2018, comandando os desígnios do InDiferente. Foi, aliás, neste restaurante da Foz que Tiago Bonito conheceu os proprietários franceses do Palacete Severo e que percebeu que a relação “tinha pernas para andar”: “Quis arriscar, sair da zona de conforto e experimentar o Porto com um projeto próprio”.
O desafio que agarrou permitiu-lhe trabalhar em duas linhas gastronómicas distintas: numa carta mais descontraída, que é servida diariamente no Bistrô e que cruza a base da cozinha portuguesa com a internacional; e numa carta de autor, disponível de quinta a domingo, ao jantar, no Éon. Se no primeiro podemos encontrar pratos como o carpaccio de polvo algarvio, o rosbife (um clássico inglês que é igualmente identitário da restauração tradicional portuense) ou um arroz malandrinho de peixe da nossa costa com camarão, no Éon a proposta é ditada pelas memórias do chef.
“Cada elemento é uma lembrança partilhada, que nos transporta para os lugares e momentos que o inspiram”, lê-se no cartão entregue a cada comensal na hora de iniciar o menu de degustação, composto por 10 momentos. Logo no primeiro, de boas-vindas, estão as origens e as regiões por onde o chef navegou.
Há um bacalhau à Brás que faz a devida vénia à mãe, que, quando estava aflita, conta o filho-chef, comprava um pedaço de bacalhau e levava-o para casa, embrulhado em jornal, para o tal à Brás. Há também um cozido à portuguesa desconstruído em três partes e apresentado num takoyaki recheado com as carnes do cozido, puré de cenoura e lâmina de nabo em pickle; um tártaro de novilho com couve portuguesa em tosta de pão alentejano, arroz suflé e maionese de enchidos; e um consommé da cozedura das carnes. Do Algarve chega o frango piri piri e do Douro as amêndoas com pera fermentada.
Segue-se o caviar 3.0, o prato de assinatura que acompanha Tiago Bonito desde os tempos do Largo do Paço e que surge agora no alinhamento do Éon. “É como uma joia”, envaidece-se o chef, explicando a composição desta que parece uma caixinha elegante de maquilhagem: na base há um chawanmushi (uma espécie de pudim salgado japonês) e no topo, em várias fatias simétricas, ovas de truta, cebolinho, tomate, gema de ovo, cebolas em pickle, clara de ovo, pickle de beterraba amarela e couve flor. A palete de cores é pontuada no centro por um caviar Oscietra e é acompanhada por uma hóstia de fóssil de gamba cristal, que traz para o prato a crocância que ele pede.
É fácil perceber, desde já, duas características da cozinha de Tiago Bonito: a influência asiática, que se revela em apontamentos como o wasabi no atum rabilho ou o caril verde de coentros, gengibre, lima kefir, coco, cardamomo e casca de lima no carabineiro (outro ingrediente fetiche do chef); e a preocupação em ativar todos os sentidos à mesa, jogando com cores, texturas, aromas e sabores num contraponto elegante e equilibrado.
Aqui, o mérito é dele e da equipa de 20 profissionais que o acompanha no Palacete Severo e que garante um serviço tão profissional quanto próximo do cliente: “Fui buscar pessoas que achei importantes para este projeto, que já me conheciam e que conheciam o Porto.”
Na sala, por exemplo, conhecemos o Pedro, cujo avô era proprietário do infelizmente já extinto Adega Figueiroa; ou a Andreia, que passou 19 anos no Sheraton Porto Hotel & SPA e que adora inventar combinações para os sumos do pequeno-almoço; também o António, distinguido em 2020 como Jovem Talento da Gastronomia na categoria “Serviço”; e, por fim, a Sara, a jovem Head Sommelier que nos brindou com harmonizações despretensiosas e arrojadas, como a do Caviar 3.0 com o Casas Altas 2021, da Beira Interior, feito a partir de Verdelho dos Açores.
Na cozinha, Pedro Carvalho, chef pasteleiro, prendeu-nos a atenção. Não só assinou o Citrinos, sobremesa primogénita do inverno, como nos surpreendeu com a Batata Doce: uma criação cheia de reverberações entre o doce e o salgado, composta por brownie de chocolate branco, espuma de crème fraîche ligeiramente fumado, crocante de batata doce, caramelo salgado, pérolas de chocolate branco e caviar. O Fanal, vinho licoroso da Madeira que a acompanhou, acrescentou ainda mais irreverência a esta brincadeira, adorável para quem gosta de repensar tudo o que dava como certo e sabido.
No final da refeição, na qual não faltou o pão brioche de fermentação natural, a lula recheada com arroz e enchidos e o novilho guarnecido com sabores da terra e do bosque, fica a clara sensação de que o Éon está aqui para voos altos: “Se disséssemos que não queríamos [os prémios], estaríamos a mentir. Se eles vierem, a equipa vai ficar super feliz”, admite o timoneiro Tiago Bonito.
Trabalhar na criatividade é objetivo assumido pelo chef, que admite potenciar a relação da cozinha com as obras de arte do Palacete Severo, expostas na galeria do hotel, a Perspective Galerie. “Sempre gostei do detalhe. Espero conseguir fazer coisas novas e fazer lançamentos de pratos e de menus de acordo com as obras de arte e os artistas”. Para já, o importante, diz, é consolidar as rotinas e a confiança da equipa, dar a conhecer o restaurante à cidade e firmá-lo no circuito de fine dining. “As coisas não se fazem num dia. Vamos devagarinho e com os pés bem assentes na terra”. O terreno, não haja dúvidas, é fértil.
Éon. Palacete Severo. Rua de Ricardo Severo, 21. Quinta-feira a Domingo, das 19h30 às 23h. Telefone: 229 677 000
Em geral… como classificaria o site do Guia Repsol?
Dê-nos a sua opinião para que possamos oferecer-lhe uma melhor experiência
Agradecemos a sua ajuda!
Teremos em conta a sua opinião para fazer do Guia Repsol um espaço que mereça um brinde. Saúde!