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Pode confundir-se o que se segue com uma experiência, com a cozinha interativa, com os chavões do “turismo gastronómico sustentável” ou do “quilómetro zero”, mas isso seria uma pena. “Vêm autocarros de japoneses, eu vou-me entendendo com eles, a minha nora traduz”, conta Lídia Sobral, cozinheira e dona do Ernestus a certa altura.
O restaurante tem muita saída com as excursões de pau de selfie, é verdade, mas a sua história e vocação não tem nada a ver com marketing. Não falemos de conceito, por favor. No Ernestus, numa aldeia de São João da Pesqueira, em Viseu, há apenas um genuíno gosto em receber como em casa, fazer mostrar a aldeia de Pereiros e o que há muito se cozinha por aqui.
Lídia Sobral frisa várias vezes que o seu Ernestus não é um restaurante clássico, embora tenha tudo licenciado como manda a lei. As paredes em xisto, as fotografias antigas e as loiças decorativas são interrompidas pela sinalética que indica a casa de banho ou a planta da sala para uma saída rápida em emergência, uma formalidade desnecessária: este restaurante é uma só sala, pequena e com saída direta para a rua.
Em 2014, Lídia aproveitou a loja do avô Ernesto, a divisão ligeiramente abaixo do nível do chão, por baixo da casa da família, onde se guardavam as produções. A sua vontade era dedicar-se a tempo inteiro à cozinha regional, depois de décadas a trabalhar na cantina de uma escola de São João da Pesqueira.
Qualquer visita ao Ernestus deve começar alguns dias antes. É preciso ligar a Lídia e perguntar-lhe se tem lugar para almoçar, raramente abre ao jantar. Repete — isto não é bem um restaurante. Se já serviu um almoço reforçado, começado a preparar no dia anterior, não há necessidade de cansar a sua idade avançada. Aprendamos com ela: tudo a seu tempo.
Apesar de Pereiros não ser grande, terá gosto em ir buscar os seus convidados ao carro. Depois do caminho pelas estradas majestosas do Vale do Douro, estamos desorientados e Lídia guia-nos num breve roteiro pela aldeia: fala sobre a capela, sobre as casas senhoriais e as outras mais modestas, sobre as amendoeiras que há nos campos a menos de 10 minutos de caminhada.
As ruas de casas em xisto estão cheias de roseiras e numa casa nobre, da família de Sebastião Moutinho de Aguiar, há uma placa a celebrar o antigo direito de custódia. Era privilégio da família conceder proteção aos perseguidos que se prendessem às argolas que ainda estão na parede.
Pereiros está cheia de histórias de famílias aristocratas e a Associação dos Amigos de Pereiros mantém este passado vivo — uma bomba de água antiga restaurada aqui, uma placa comemorativa ali — mas tudo isso ficará para depois desta refeição que pedirá uma caminhada.
É Lídia que decide o que vai servir nas duas mesas comunitárias da sua sala ou na rua, quando o tempo permite. Não há escolha — não é preciso repetir que isto não é bem um restaurante. O almoço será o que estiver a dar pela aldeia, é aqui que compra, cultiva e apanha tudo o que serve.
Mesmo o vinho da casa é feito pela sua família e os enchidos — uma alheira ligeiramente picante e rica que serve como entrada — são feitos no seu fumeiro artesanal, numa sala ao lado da cozinha. É só pedir para visitá-lo, Lídia tem todo o gosto em mostrar, nem haverá problema nenhum em vê-la queimar o leite creme na cozinha, quando chegar o momento.
O único peixe que de vez em quando aparece nesta mesa é o bacalhau (especialmente no inverno), um dos raríssimos produtos que não anda por estas terras. O queijo de cabra fresco, suave e bem grande (do tamanho de um queijo da serra), é feito todos os dias por uma queijeira da aldeia; as azeitonas são curtidas pela família e, a estrela das entradinhas são os pães.
Em Pereiros ainda se acende o forno comunitário — não só por causa do Ernestus. A aldeia tem menos de 100 habitantes, mas a vida comunitária não se perdeu. Lídia coze o pão e a bola de azeite, um pão que só tem farinha e azeite, nenhuma água. É tão ultrajante como soa, um verdadeiro luxo de gordura, suave no miolo e quebradiço na côdea, deixa a boca a salivar constantemente e a obrigar-nos a responder que sim a cada vez que Lídia ou a nora, Carla, nos perguntam se queremos mais.
Este pão é uma tradição de Pereiros e tudo que vem depois dele também. A cozinha regional de Lídia Sobral não é uma expressão vaga, pelo contrário. “Apanhei as azedas hoje de manhã, nesta altura faço sempre a esmagada de azedas porque é muito característico daqui de Pereiros. Na aldeia ao lado já se faz de outra maneira”, explica antes de trazer um puré de batata carregado das azedas aos fiozinhos, ainda bastante frescas, pouco cozinhadas, e ácidas como não é usual.
Ao lado vem muitas vezes o entrecosto estufado, que começou a fazer mais ou menos pelas sete da manhã, antes de sair para as azedas. “Esta é uma receita minha, não é da aldeia: este porco só leva vinho”, revela. E não precisa de mais nada para parecer uma carne nobre, suculenta, de sabor rico, uma espécie de chanfana para quem é esquisito com a cabra.
É mais ou menos por esta altura que Lídia se retira da sala, avisa que vai desaparecer: põe-se a fazer leite creme para estar quente e acabado de queimar — uma delícia sedosa de ovos caseiros. A sobremesa vem com bagaço, naturalmente.
Quem vai aconselhado por um amigo verdadeiro, por esta altura já pediu a Lídia para levar algumas das suas alheiras, chouriças, um queijo fresco da aldeia e todos os pães que lhe tiverem sobrado. Vamos de saquinhos na mão, como quem volta da casa de um almoço na terra.
Ernestus. Largo da Igreja n 1, Pereiros. 925 245 562
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