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A montra de peixe já foi um ícone dos restaurantes lisboetas. Os bichos inteiros deitados em camas de gelo eram uma maneira de falar sem palavras: veja-me um peixinho destes, tão fresquinho, ainda ontem estava a nadar. Em Santos, há uma nova versão da clássica montra de peixe: a janela do restaurante dá diretamente para um frigorífico com uns quantos peixes inteiros pendurados a maturar.
Porém, o Barbela leva esta atualização da montra de peixe mais longe. A nova casa de Santos é uma releitura do que pode ser um restaurante de peixe e marisco e uma desconstrução da sempre idolatrada ideia de frescura. Ao leme de tudo isto, está Leandro Carreira: o chef que saiu de Portugal há 20 anos estuda maturação de peixe há 10. O Barbela é a sua oportunidade de dar à costa portuguesa.
No balcão ou nas mesas, o Barbela Companhia de Peixe e Marisco (é assim o nome completo) é um daqueles sítios descontraídos onde não vale a pena levar os talheres muito a sério. Come-se com pauzinhos, com colheres, de faca e garfo e até com todos ao mesmo tempo, se for preciso. O menu também não tem a divisão rígida das entradas e sobremesas e vai evoluindo dos pratos mais leves aos que são bons para terminar uma refeição.
Há por aqui uma certa vontade de subverter ideias feitas. Por exemplo, tal como o peixe sobre o gelo não é garantia de frescura, também o peixe pendurado num frigorífico não é sinónimo de uma boa maturação.
“Uma coisa é pendurar peixe no frigorífico, ao pé das cenouras e do resto, e achar que vai ficar bem”, avisa Leandro Carreira. Outra coisa é usar câmaras frigoríficas seguras, que mantêm a temperatura estável e que isolam o peixe de outros odores. E claro, além do material, é preciso saber do assunto.
Leandro Carreira começou a fazer as primeiras experiências em 2014. É o saber acumulado nesta última década que mostra no Barbela: “O que nós fazemos é comprar o melhor produto possível, sazonal e da costa portuguesa continental e dos Açores. Limpamos, tiramos as partes húmidas (vísceras, por exemplo) e depois é uma questão de gosto para decidir quantos dias maturamos.”
No prato de sashimi do Barbela vê-se bem o que é isto do gosto e como a aplicação da maturação assenta de maneira diferente a cada peixe: o lírio, o pargo ou a serra, com maturação de seis ou oito dias ganham texturas firmes, sabores concentrados e uma gordura mais presente, enquanto uma barriga de atum açoriano é servida fresquíssima, porque a sua intensidade natural é suficiente.
“Adoro a tainha, acho que é dos peixes que melhor fica maturado, com uma concentração de sabor maravilhosa, só com seis ou sete dias”, exemplifica como esta técnica pode servir para elevar um produto que seria, de outra forma, considerado menor.
“Desde que trabalhei no Mugaritz, há cerca de 18 anos, que gosto muito de trabalhar o lado mais técnico. Tínhamos muito a filosofia de que não havia produtos mais nobres do que outros, é a técnica com que os tratamos que os valoriza. Por essa altura também comecei a interessar-me muito por peixe e marisco, porque a diversidade destes produtos é muito maior”, diz.
O estilo de Leandro Carreira traz sempre alguma interseção entre os sabores portugueses e a técnica japonesa. Os pratos mais delicados do Barbela mostram como alguns uns dias de maturação elevam um peixe; outros usam molhos pungentes, condimentos ou as algas mais queridas ao paladar japonês, mas também se fala ao coração português com um camarão levemente grelhado e servido com um molho picante.
A tainha de que tanto gosta aparece num prato que acompanha o chef há algum tempo: é servida maturada com uma espécie de noodles de batata (que são, na verdade, batata fermentada) e óleo de coentros. Serviu este prato em alguns dos restaurantes londrinos por onde passou nos últimos anos. Nesta cidade, tornou-se um dos embaixadores da cozinha portuguesa, juntamente com Nuno Mendes, e deixou o seu nome particularmente ligado ao trabalho do peixe e marisco.
Em Londres, onde Leandro Carreira continua a viver, valoriza-se cada vez mais o peixe da costa britânica, mas para um cozinheiro amante do peixe e marisco, chegar a Lisboa é entrar num parque de diversões. São cerca de 200 espécies diferentes registadas nesta costa, nota Leandro Carreira, e além da quantidade, a tão falada qualidade: “comparas a pescada do Reino Unido e a de Portugal e não têm nada a ver — a carne [em Portugal] é mais firme, é mais doce”.
Apesar das oportunidades que a matéria-prima oferece, abrir um negócio no país de origem não estava nos planos deste chef nascido em Leiria. Depois de um ano de consultorias em várias cidades do mundo, Leandro recebeu uma proposta dos outros três sócios do Barbela para voltar a Portugal e a boa impressão que causaram disse-lhe para embarcar.
Os quatro sócios têm experiência na restauração — um deles é Alejandro Steiner, de bares como o Vago, em Lisboa. É ele o maior impulsionador do speakeasy Bar Bela, que abrirá numa salinha meio escondida do restaurante, com carta de cocktails criativos, música alta e alguns pratinhos pequenos para acompanhar.
Na sala principal o ambiente é muito mais tranquilo — e os cocktails também. O sunomono é inspirado na clássica salada japonesa e põe a boca a salivar logo a partir do couvert, que aqui tem pão de trigo barbela, paté de peixe e manteiga com algas.
Logo a seguir pode vir uma salada de algas ou a mousse fria de koji com molho espesso de camarão — um daqueles pratos que demora a entranhar-se. “Gosto de pratos assim que, logo no início, estabelecem um ritmo: se isto começou assim, vamos ver para onde é que vai. Visualmente é simples, mas é super complexo na boca — e complexo de fazer. É daqueles pratos que dependendo do teu humor sabe diferente”, comenta Leandro Carreira.
Mesmo ao servir um prato como este, que parece saído de uma experiência avançada de laboratório, ninguém o vai chatear com os pormenores da confeção, como acontece em muitos novos restaurantes onde o serviço de sala está entre a pedagogia e o alarde do virtuosismo da cozinha.
“As pessoas não voltam a um restaurante porque ficaram impressionadas com uma comida muito disruptiva; voltam pela qualidade, pelo sítio. Porque é que o Solar dos Presuntos está sempre cheio?”, exemplifica, “ninguém tem paciência para estar a ouvir sobre processos de maturação que nunca vai poder fazer”, afirma.
Entre Londres e Lisboa, Leandro Carreira continua as suas experiências no envelhecimento de peixe — agora testa técnicas japonesas que envolvem cinzas ou folhas de citrinos — mas nada disto é para impressionar. É só um chef que gosta de se atirar ao que não conhece.
Barbela. Rua Santos-O-Velho, 82, Lisboa. Quarta a sábado das 19h00 às 00h. Telefone 931 966 258. Preço médio: 60€
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