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Apesar de ter à sua frente o Barreiro, quando olha pela janela Marlene Vieira vê o mundo. Isto nem sequer é poesia, é um tecnicismo: o seu fine dining Marlene, (2 Sóis Guia Repsol), está colado ao terminal dos cruzeiros de Lisboa e o espaço destes barcos é o do regime jurídico internacional. Parece ser a vista ideal para uma portuguesa com curiosidade pelos produtos do mundo e pela cozinha do presente. É a mulher da alta cozinha nacional a celebrar o fine dining sem vestir smoking — ou não estivesse ela sozinha entre homens.
À noite, o Marlene, é uma espécie de caixa negra onde se entra para focar no momento, no prato que está à frente. A metade superior das paredes envidraçadas é preta, tapando a maioria das estruturas do terminal de cruzeiros, e sobra janela apenas na metade inferior, o suficiente para que, quando já estamos sentados, vejamos qualquer coisa das luzes do outro lado do rio e das plantas junto ao restaurante. Ao centro da sala, outro cubo mágico: a cozinha aberta em 360 graus, e rodeada por um balcão baixo como uma mesa.
Não é um lugar sagrado e silencioso, a equipa de cozinha é a primeira a quebrar o gelo, a conversar com ânimo e chiste, estabelecendo assim a vibração de toda a sala. “Queria um fine dining democrático, onde pode estar toda a gente, não precisas de vir de smoking. Desde que fui ao Momofuku, em Nova Iorque [restaurante de David Chang], com um ambiente muito rock ‘n’ roll, que sonho com este restaurante”, conta Marlene. Esta sala com uma cozinha de fine dining ao centro tem, por isso, anos — “é o meu sonho”, diz a chef a dada altura.
Estava tudo decidido ainda antes de Marlene Vieira se tornar a figura mediática nacional, jurada de concursos de cozinha e apresentadora de programas de receitas, ou a empresária bem sucedida do Mercado da Ribeira (onde tem um restaurante com o seu nome). No entanto, o sonho foi consecutivamente adiado. Em 2020 abriu o gastrobar Zumzum na sala ao lado. Esta que tantas vezes tinha idealizado já estava terminada, mas faltou o dinheiro para abrir o restaurante. Concretizou-se finalmente em 2022.
Quando, no passado, imaginava o restaurante que hoje lidera, o que se servia à mesa? “Seria sempre a cozinha daquele momento, com as técnicas do momento”, diz. Quando quer que fosse, seria do seu tempo e é isso que está a perseguir nos seus menus de degustação: “Fazer o que se faz no mundo”, continua.
Façamos a festa, o sonho e o presente encontraram-se finalmente. Os primeiros snacks a serem servidos são, por isso, uma alusão a uma mesa portuguesa em dia de festa, começando pelo queijo: um choux com carvão ativado que quer imitar uma trufa negra e, lá dentro, há queijo de ovelha curado com trufa.
Será uma mesa rica e cosmopolita — vai ficando progressivamente claro quando com uma lâmina de barriga de atum curado (a querer lembrar a gordura do presunto) servido com uma água de gaspacho com sumac; uma casquinha de cenoura com sapateira e as suas ovas e uma tartelete intensa com camarão rosa e molho xo ou um chawanmushi, uma espécie de pudim salgado japonês, neste caso feito com um saboroso caldo de ossos de presunto e servido com ervilhas lágrima. Estes snacks são uma sinopse: “A cozinha portuguesa é um ingrediente, mas não é o único que usamos. Construímos muito a partir do mundo. O nosso fio condutor são as texturas, Portugal e o mundo”, resume Marlene Vieira a identidade em construção do restaurante.
Em quatro menus por ano, que vão mudando conforme as estações, é claro um certo encantamento com alguns clássicos europeus, como os morilles, um cogumelo cheio de textura e sabores de frutos secos que Marlene serve recheados com avelã e com um guloso molho de foie gras com o mesmo ralado, ou o surpreendente momento da cebola.
O prato é mesmo isso: uma cebola cujas camadas interiores foram substituídas por um puré de cebola e castanha cheio de caramelização e umami, servido com enguia e um mole de sarrabulho. A razão para este prato que traz uma sensação de conforto à reta final da refeição é simples: “Adoro sopa de cebola e não entra aqui um prato que eu não goste”, diz a chef. Tudo é à sua imagem, por muito que o nome do restaurante queira fazer referência aos que estão ao seu lado terminando com uma vírgula — “Marlene,” não é um delírio desta jornalista ou falta de revisão neste texto.
Além do que nos leva para uma ideia de alta cozinha europeia, há o gosto claro pelo oriente, tudo a viver relações diplomáticas nada estridentes ou folclóricas. Não está só na depuração estética do Marlene, ou na grelha japonesa ao centro da cozinha: há os condimentos, as técnicas, produtos como o wagyu que fecha os pratos salgados do menu com um kimchi aromático e só ligeiramente picante e um puré de topinambur — “ou girassol batateiro, como lhe chamam no Alentejo”, conta a chef durante o serviço.
Há uns momentos de amor português neste menu. Mas não aquele amor “piroso e lamechas” que os Da Weasel gostavam de ver. Um amor sóbrio, sem exageros, aparece simples quando vale a pena, como com a broa de milho no couvert ou o salmonete simplesmente grelhado (como bem o compreendem os portugueses) e até uma feijoada de lula depurada, mas com toda a intensidade de sabor de um tacho.
Tal como nos pratos, nos copos a harmonização é uma viagem: da bairrada à Alemanha, passando pela Gran Canária e resume-se tudo com as palavras de Juan Duran, sommelier, sobre as suas escolhas: “A maneira de enaltecer o produtor português é colocá-lo ao lado de outros”. Entre o Tejo e o resto do mundo, assim está Marlene Vieira no seu cubo mágico.
Marlene,. Av. Infante D. Henrique. Doca do Jardim do Tabaco. Terminal de Cruzeiros de Lisboa, 1100-651, Lisboa. Telefone: 912 626 761; De terça a Sábado, das 19h às 24h).
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