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É um enigma. Ouvimos falar do Solar dos Presuntos (1 Sol Guia Repsol 2025) como se fosse um mundo em que a gula é permitida sem julgamentos. Vemos fotos de uns mais famosos do que outros, satisfeitos até à última garfada e nem vimos o que lhes passou pelos pratos. Contamos os anos de história, 50 cumpridos em 2024, casa aberta em tempos de liberdade, palavra que vai bem com o menu farto e guloso.
Mas estranhamos quando passamos à porta do número 150 da Rua das Portas de Santo Antão, em Lisboa: espreitamos para o lado de lá e vemos pouco mais do que uma dezena de mesas. Algo se passa, algo não bate certo.
Pedimos esclarecimentos a quem de direito: Pedro Cardoso, o gestor de uma casa familiar transformada em empresa de sucesso, dá-nos uns quantos números auto-explicativos: “O Solar dos Presuntos foi fundado com 14 lugares e 6 funcionários. Hoje temos perto de 300 lugares, com 140 funcionários”.
Duas frases atiradas com garimpa e tempero. A atitude orgulhosa está sempre presente nas apresentações de Pedro Cardoso, filho de Evaristo e Graça, que abriram a casa e a mantiveram na família. É uma presunção legítima e invejável.
Ora continuemos nos números: “Aumentámos o restaurante para o primeiro piso, fomos adquirindo os terrenos envolventes, fomos construindo. Fizemos todas as obras só quando tínhamos capacidade própria para as fazer. Nunca demos um passo maior do que a perna. A última obra custou perto de 6 milhões de euros, mas só dependemos de nós próprios”.
O resultado: cinco salas em três pisos diferentes; uma cozinha de 400 metros quadrados; um viveiro de marisco; uma cave que é uma garrafeira que impressiona, acessível apenas a uma reduzidíssima parte da equipa; uma esplanada-terraço com bar, um palco e um mural de Vhils, com capacidade para 200 pessoas; e bastidores funcionais elaborados, que vão da monstruosa máquina de lavar loiça — no modo “rápido” só precisa de dois minutos para completar o serviço, senhores — aos balneários para os funcionários e os escritórios administrativos.
Nunca vimos as entranhas de um restaurante com esta dimensão e ambição. Já as encontrámos num hotel. Já nos cruzámos com estruturas semelhantes em moradas de catering industrial. Nunca numa casa destas. “É um negócio bastante interessante, mas continua a ter um lado familiar que é fundamental”, diz-nos Pedro Cardoso, todo ele simplicidade de ego justamente cheio — se eu servisse “uma média de 900 pessoas por dia” também andava por aí confiançudo, penso naquele momento.
De volta à génese de tudo isto: Evaristo e Maria da Graça Cardoso abriram o Solar dos Presuntos em 1974. Ele na sala, gerindo e sentando, ela na cozinha, criando a lenda que já conta 50 anos. Graça, a mesma que dá nome à Gracinha, esplanada-terraço que se prepara para mais uma temporada de comida, bebida, música e outras agendas artísticas (e que se orgulha também de ser proposta para eventos corporativos), vai todos os dias ao almoço ao Solar.
E não lhe mostrem erros, não a deixem vislumbrar deslizes. Graça não perdoará. Evaristo morreu em dezembro de 2022, aos 80 anos, mas a presença é perene, nas fotos, na sala com o seu nome e no dia que lhe é dedicado anualmente, um aniversário celebrado como se fosse feriado.
Evaristo trocou Monção por Lisboa antes da revolução, encontrou trabalho na restauração, casou com Maria da Graça, conseguiu ajuda para o trespasse do Solar dos Presuntos que vendia o dito fumado por entre copos de vinho.
Adaptou a cozinha ao longo dos tempos para a tornar robusta, referencialmente popular, tradicionalmente portuguesa — na história e na capacidade de ser avantajada. O negócio ganhou embalo, de uma pequena sala chegou longe, abraçando dois edifícios, e o resto é o que se vê e o que se prova.
Por falar nisso, digamos que a carta é vasta (estamos a ser simplistas, este momento merece alguma tranquilidade, porque a oferta é de longuíssimo curso). Apresenta-se no formato “temos de tudo”: as entradas que percorrem o mapa do país; os pratos principais no modo marisco-peixe-carne, a implorar-lhe que peça um de cada e da mesa faça um repasto; até às sobremesas, que, como diz o outro, satisfazem desejos, requinte para todos os gostos, precisamente a missão para a qual foram inventadas.
À pergunta “qual é o cliente tipo do Solar dos Presuntos”, Pedro Cardoso responde: “És tu”. Sai uma gargalhada para a mesa do meio. “Não temos cliente tipo, recebemos aqui as figuras mais mediáticas e os anónimos mais banais. Mas posso garantir que a maioria das pessoas que aqui vem é portuguesa, ao contrário daquilo que muita gente pode pensar.”
Faz sentido se tivermos em conta a apresentação que o proprietário/gestor/chefe-de-todas-as-salas faz da comida aqui servida: “É uma matriz 100% portuguesa, vamos buscar várias tendências de Portugal. Os meus pais são de Monção, portanto a cozinha é de origem monçanense, desde o arroz de cabidela ao arroz de lampreia. O cabrito não é igual ao de Monção porque é impossível de replicar, mas não há outro assim fora daquela terra”.
O melhor relações públicas que o Solar dos Presuntos podia ter é tão apaixonado quanto vendedor eficaz, tudo na mesma medida. Convence-nos facilmente e daqui a pouco estaremos a ter uma conversa particular com este cabrito.
Mas antes disso, Pedro Cardoso ainda nos garantiu que o Solar também soube ir buscar “pratos lisboetas, como as pataniscas de bacalhau com arroz de feijão”, antes de garantir que “o atum é fantástico” e de arregalar os olhos quando diz palavras mágicas como “arroz de lagosta e gambas e arroz de lavagante, que é o nosso prato forte”.
Pedro, já que estamos aqui, precisamos de saber qual o seu prato favorito. “Hoje em dia é o arroz de caranguejo real. É fantástico.” O encanto que emprega na voz é tamanho que não duvidamos nem por um segundo. Mas eis que Pedro Cardoso acrescenta: “Depois tenho pratos que não dispenso, à segunda-feira o bacalhau à Gomes de Sá, à terça a cabidela, à quarta o cozido, à quinta a feijoada e à sexta o arroz de pato”. Não é engano, são mesmo os pratos do dia. Pode parecer marketing agressivo, mas que ninguém duvide que o filho de Evaristo e de Maria da Graça se perde por cada um destes milagres culinários típicos.
É esta a premissa da cozinha apresentada no Solar dos Presuntos: da cozinha nacional, espere tudo, cumprindo a tarefa de garantir-lhe “tudo aquilo que lhe apetece mesmo comer”. Como exemplo, atente neste menu: comece pelos croquetes (6,5€), porque não há outra forma de começar (se conhecer alguma, avise); siga pelos peixinhos da horta (6€), aqui com o polme apurado por anos de treino na fritura dos ditos; ao mesmo tempo (porque não?), o polvo à galega (19,5€), finíssimo, embalado por um pimentão humilde mas presente, exatamente o pretendido, já que o protagonismo é do cefalópode. Início terminado, o entremeio promete.
Faça como este que lhe escreve e invista forte: primeiro, nos filetes de peixe-galo com açorda de lavagante (28€), numa dança que dá gosto, muito e bom; depois, no cabrito à moda de Monção (28,5€), para garantir que no palato lhe fica o sabor a herança de décadas. Talvez também seja garantido algum peso, uma certa dormência, em qualquer dos casos asseguramos plenitude.
Quando terminamos o jantar — depois de um pão de ló cremoso feito para alimentar a soberba, ainda que o possa partilhar (8€) —, Pedro Cardoso já não está no restaurante. Já abriu as portas, recebeu os clientes, sentou-os, cumprimentou habitués (e são muitos), tirou fotos, fez graças, abraçou amigos. Nasceu para isto, não restam dúvidas, a capacidade e o gosto social que exprime são notáveis, mas, ao mesmo tempo, o gestor profissional esteve sempre atento ao intercomunicador que todos os funcionários têm.
Dizíamos: Pedro já não está no restaurante. Talvez porque estivemos muito tempo à mesa, mas certamente porque a disciplina à qual se força por estes dias é a de passar algum tempo em família, em casa — ainda que as filhas do patrão já estejam no caminho certo para domar o negócio. É uma dinastia que se cumpre e, pelo que se vê e se prova, faz sentido.
Solar dos Presuntos. Rua das Portas de Santo Antão, 150, 1150-269 Lisboa; Telefone: 213 424 253; De segunda a sábado, das 12h30 às 15h30 e das 18h30 às 23h. Encerra ao domingo.
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