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Na Praça dos Restauradores, em Lisboa, param carrinhas de excursões e magotes de turistas de todo o mundo, mas quando Mirco vê sair da confusão determinados velhinhos na sua direção, sabe exatamente o que lhe vão pedir. Afinal, ainda há clientes habituais — e bem antigos — na Baixa lisboeta e Mirco atende-os há dois anos na histórica gelataria Veneziana.
O italiano é a cara familiar numa casa que se transformou nos últimos tempos. Esteve fechada durante a primeira metade do ano, após a morte do antigo dono, e reabriu remodelada em julho. Mudou de donos, mas mantém-se na mesma família e os gelados são iguais àqueles que fundaram a marca em 1933.
Na Baixa sente-se o peso do turismo massificado e a descaracterização e isto torna o fardo mais pesado, mas Clara Sala, a quarta geração, carrega-o com alegria e uma certa leveza. A Veneziana é a primeira gelataria artesanal de Lisboa, fundada por uma família de italianos que queria emigrar para a Argentina mas, a meio caminho, percebeu que o clima lisboeta precisava de um bom gelado — que não existia.
Nas paredes da Veneziana conta-se agora esta história em fotografias antigas: lá estão Arcangelo Sala, o patriarca geladeiro, e os sobrinhos Luigi Sala e Geovanni de Luca, que pedalavam pela cidade em carros de venda ambulante que pareciam proas de gôndolas.
“Ainda tenho as máquinas do meu avô e uso-as — formas de cassatas, por exemplo. Eles tinham uma fábrica na Avenida de Berna, de onde saiam uma data de carros para a venda ambulante e só em 1940 é que abriram a loja nos Restauradores”, conta Ângelo Sala, neto do geladeiro fundador e que faz os gelados do La Fabbrica (junto ao Jardim do Arco do Cego) desde 2014. Agora, são estes gelados que se vendem na Veneziana, feitos com as receitas que a família trouxe para Lisboa.
Ângelo Sala, que produz “gelados de ingredientes de ingredientes naturais e o mais simples possíveis”, como os descreve, foi o primeiro da família a nascer em Lisboa e trabalhou durante muito tempo nesta loja, “também faz parte da minha vida”, acaba por dizer. No entanto, há algum tempo que não tinha muito a ver com ela.
O negócio dos gelados partiu-se entre os dois ramos da família nos anos 1990 e Ângelo Sala ficou a cuidar de outras lojas até abrir a sua própria marca e casa: La Fabbrica. Só no início deste ano, com a morte do primo que dirigia a Veneziana, Fulvio de Luca, ponderou ficar com o negócio. O grande incentivo: a próxima geração.
Clara Sala, filha de Ângelo, estudou estatística e trabalhou numa consultora, mas só voltou a sentir prazer no que faz quando decidiu despedir-se para perceber o ofício dos pais — ele nas máquinas de gelados, a mãe nas burocracias.
“Não era necessariamente para trabalhar nisto, era para só para saber fazer, parecia-me um desperdício não aproveitar este conhecimento. A verdade é que me dei sempre lindamente com o meu pai. Querer ir trabalhar não me acontecia há anos”, lembra.
E quando uma coisa destas acontece, é de aproveitar. Passado um tempo, o irmão João Sala fez o mesmo e agora a mais antiga família de geladeiros portuguesa tem futuro assegurado.
“Eu não pensava muito na continuidade, só queria que fossem felizes”, diz Ângelo Sala aparentemente desprendido da questão, mas entusiasmado com a nova vida da Veneziana. A gelataria fica num dos antigos hotéis da cidade, na mesma família desde o princípio do século XX.
Desde o início do processo de passagem do negócio, os senhorios deixaram claro à família Sala o valor que tem ter uma loja histórica no seu hotel, não se colocando a hipótese do encerramento por aumento desproporcional de renda, por exemplo, como aconteceu com outras lojas antigas na cidade.
“A história da Veneziana foi um dos principais motivos para insistirmos com o meu pai e agarrarmos esta oportunidade. É importante para a cidade e para a nossa família também”, resume Clara Sala que, nisto e nos sabores do gelado, gosta do que é antigo, sem grandes invenções.
Aos clássicos iniciais da Veneziana, acrescentam-se agora várias frutas da época — “antigamente era só o limão, o ananás, o morango e o pêssego”, lembra Ângelo — e mantém-se o marrasquino, licor de ginja da Europa Central, muito popular nos anos 1920.
É uma receita com 100 anos, tal como as cassatas (bolos de gelado e frutas cristalizadas) que se comem aqui aos quartos. O spaghetti de gelado é um daqueles a que só Ângelo Sala chama novidade, porque não faz parte do repertório mais tradicional — o esparguete de gelado com calda de morango e suspiro ralado popularizou-se por volta dos anos 1980 e na Veneziana mantém o kitsch da época.
As novidades são as sandes de gelado e as taças Veneziana e a Pelmo, ambas com um chantilly que só sabe a nata pura, sem açúcar, acabado de sair de uma máquina que parece poder produzi-lo assim, espesso e leve, infinitamente — um sonho.
“Não queremos mudar uma vírgula no que não precisa de ser mudado, queremos manter tudo simples”, diz Clara Sala sobre estas novidades muito ortodoxas, servidas nas antigas taças de metal para comer com as colheres cortadas que talham o gelado de forma mais certeira — detalhes antigos que fazem o espaço.
Os menus são novos, mas lá continua o letreiro conhecido dos Restauradores há mais de noventa anos e as cadeiras de metal da esplanada, com as suas curvas a lembrar art déco, restauradas com as cores originais. Às vezes, apanha-se Ângelo a fugir de Vespa, para compor o cenário.
Veneziana. Praça dos Restauradores 8, Lisboa. Terça a domingo, das 13h às 20h.
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