Desculpe, não há resultados para a sua pesquisa. Tente novamente!
Adicionar evento ao calendário
O mal de Julião é estar sempre a querer inventar. Esta é a opinião da sua mulher, Graça, que aos fins-de-semana dá uma ajuda na padaria. É simplesmente a Padaria Julião, em Roteiro do Moinhos, Palmela, e é conhecida por umas quantas receitas que Julião, já depois dos 60 anos, teve ousadia de criar.
“Gosta de inventar e depois fica à rasca, porque é sozinho, tem muito trabalho”, diz Graça — é uma medida de ralhete para uma de preocupação. Julião tem 64 anos e é ele que faz os bolos rei mais celebrados da zona e com fama na margem norte, em Lisboa.
Operar este forno a lenha tradicional não é brincadeira e ver Julião a limpá-lo cansa. Passa um pano molhado e pesado na ponta de um cabo por toda a área do forno (cabem lá dentro 200 pães) e ficamos com a sensação de que nenhuma temporada de crossfit nos poderia preparar fisicamente para isto.
Julião chama-lhe mais um dia. A partir das três da manhã repete este e outros exercícios várias vezes. É um padeiro à maneira antiga, nos horários, nas receitas (os pães e bolos são todos de massa mãe) e a única máquina que tem na sua padaria é uma amassadeira — concorda, dá-lhe muito jeito, sobretudo nesta altura do bolo rei.
Rei, com frutas cristalizadas, rainha, só com frutos secos, esta é uma das receitas em que Julião não arrisca as suas invenções. Dá-lhe “o seu toque”, como diz a mulher, sem revelar qual é o segredo (nós apostamos que é uma bebida espirituosa qualquer que lhe dá um saborzinho alcoólico muito agradável).
De resto, a tradição persiste — mesmo aqueles pormenores que são apenas memórias noutras padarias e pastelarias. Graça traz da dispensa um saco de favas: “Está na altura de comprar as favas secas para semear. Vou logo comprar as maiores”.
Que alguém possa partir um pivô a comer os bolos rei que pincela com geleia à saída do forno é um dos pesadelos de Graça. “Está aqui tudo informado”, mostra-nos a etiqueta que cola nos sacos de papel onde se lê “contém fava e brinde”. Mais: Graça não se fia nesta etiqueta. A partir do primeiro sábado de novembro, quando começa a produção do bolo rei de Julião, repete o alerta de viva voz aos clientes do bolo de natal.
O perigo desta tradição dos achados do bolo rei não dissuade esta padaria de esconder os seus bonecos na massa. O risco é, afinal, o grande prazer. Vê-se pela maneira como Graça mostra as sacas de bonecos de neve e pais Natal que compra online. Vêm do Japão, “só lá é que fazem disto”, diz com orgulho.
Até à noite fatídica, este bolo rei ou rainha compra-se ao sábado. Para dia 24 há que encomendá-lo e, nessa véspera, como em todos os anos, Julião há-de passar uma noite inteira a fazer bolos. “Quantas vezes me deixo dormir em cima da mesa de Natal. Ele ainda se aguenta nas canetas”, conta Graça, uma relações públicas desta padaria tradicional.
É que, enquanto conversamos, Julião continua a enfornar as broas de milho e folares (receitas que aprendeu com a sogra, de Águeda) e as tais invenções: os pães de maçã (ligeiramente doces e com as fatias da fruta a fazer uma rosa no topo) ou a broa de milho com passas. Há, no entanto, uma conversa que faz Julião parar tudo o que está a fazer: “Ando aí a ver como é que faço uma coisa: pão de batata doce. Na Madeira são malucos por aquilo”.
A verdade é que, por muito que queira provar o bolo rei da Padaria Julião e encontrar estes brindes garimpados por Graça na internet japonesa, a viagem até ao interior da Margem Sul do Tejo não é acessível a todos. Nada temam os amantes das frutas cristalizadas deste país. De norte a sul do país há outras padarias que mantém o fabrico de bolo rei impecável — com fava, brinde e todas aquelas cores no topo, quais joias da coroa. É uma das razões para todas estas padarias terem um Solete do Guia Repsol.
No Porto há, aliás, uma confeitaria onde a época do bolo rei é todo o ano: a Petúlia. Fundada na década de 1970 e há três gerações na mesma família, este é um bolo que traz muitas memórias às famílias da zona do Bom Sucesso. Com tradição semelhante a este, o bolo rei da Confeitaria Império, na rua de Santa Catarina, também é um ícone.
Na região centro há outras padarias que cimentam o seu bom nome nesta época — veja-se a Padaria Rústica, em Viseu. É uma padaria com menos história do que as anteriores, mas está a ganhar o seu espaço graças às técnicas tradicionais e aos ingredientes de qualidade. O bolo rei está a sair dos seus fornos desde novembro.
Com uma filosofia semelhante, a Crescente, em Santa Maria da Feira faz os seus bolos rei com fermentação lenta e prolongada. Aqui, esta massa rica é mais um exemplo da mestria do padeiro Daniel Brandão na afinação de pães populares, como a fogaça de Santa Maria da Feira ou o croissant à moda do Porto.
Ainda no distrito de Aveiro, mesmo no centro da cidade dos canais, a respeitada Ramos enche a sua vitrine de bolos rei por esta altura. Bem brancos de açúcar, nunca vão sozinhos para casa — merecem a companhia de uns ovos moles ou de uns cartuchos, o bolo da casa.
A sul, nas Caldas da Rainha, a Pastelaria Baía também tem as suas faustosas pastelarias com doce de ovos, diga-se. Porém, subimos as duas escadinhas em busca do bolo rei e encontramos, inclusive, um criativo exemplar de maçã (para os esquisitos com as frutas cristalizadas).
Em Lisboa é sacrilégio não falar da Confeitaria Nacional que, conta a lenda, popularizou este bolo através de um pasteleiro francês. A receita espalhou-se pelo país em tempo de República, mas manteve o nome sem iniciar nenhuma revanche e é ainda hoje um dos reis mais cobiçados da capital.
Ainda no centro da cidade, um bolo rei de excelência: quem trouxe, quem trouxe? Foi a Versailles. A receita original, que se compra na casa mãe, na Avenida da República, vale muito a pena. Fechemos a lista lisboeta com um bolo rei menos colorido, mas não menos saboroso: o do Careca, um clássico do Restelo e Belém.
No Alentejo, em Beja, a centenária Pastelaria Luiz da Rocha, fundada em 1893 e conhecida pelos porquinhos doces, começou o ano com um bolo rei gigante oferecido a toda a população — “62 quilos de farinha, 30 quilos de fruta em calda para decorar e 160 ovos”, anunciaram em comunicado. Ora, este tipo de pastelaria paga-se ao peso e, ainda que tenha fome para tanto, não há-de sair barato. Mas mesmo para um bolinho de quilo e meio, a Pastelaria Luiz da Rocha continua a ser referência na zona.
Já no Algarve, em Olhão, a Kubidoce merece uma menção especial pela insistência em fazer uma pastelaria de fabrico próprio sem atalhos, com tempo e ingredientes de qualidade. O fabrico de bolo rei já começou — tal como o de panetone, a especialidade da casa para os detratores da fruta cristalizada. Também merecem.
Padaria Julião. Roteiro dos Moinhos Serra do Louro, Palmela. Terça a domingo, das 8h às 19h. Encomendas para 967 932 342.
Em geral… como classificaria o site do Guia Repsol?
Dê-nos a sua opinião para que possamos oferecer-lhe uma melhor experiência
Agradecemos a sua ajuda!
Teremos em conta a sua opinião para fazer do Guia Repsol um espaço que mereça um brinde. Saúde!