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Numa adega alentejana não há hora nem sinal para ouvir-se o cante. Uma voz cavernosa lembra-se de começar uma moda antiga e as outras vão atrás como um chamamento. A gente desabilitada a cantar percebe o dever de se calar e aproveitar a sorte de ter apanhado esta cena, há muita beleza no que é espontâneo.
Uma vez por ano, com poucos dias de aviso prévio, locais e curiosos juntam-se nas adegas de Vila Alva, no coração do Alentejo, para provar o vinho novo. O resultado é uma peregrinação quase orgânica pelos produtores de vinho de talha da vila. Este ano acontece sábado, 15 de novembro.
Às cinco da tarde nem parece que se vai passar algo, as ruas estreitas e brancas de Vila Alva estão mais ou menos vazias. A montanha pariu um rato, pensamos, depois de sermos trazidos ao centro do Alentejo pelas publicidades que falavam na melhor festa de magusto. Publicidades não de redes sociais ou imprensa, mas de amigos em comum com Vila Alva, apaixonados por esta festa, que esta não é uma daquelas feiras sazonais do interior com fama nas cidades grandes, ainda é um pouco secreta.
Pelo contrário: a pequena Vila Alva já teve 70 adegas, hoje são apenas três e vão ganhando fama com o crescente interesse na tradição do vinho de talha e a nova geração destes produtores familiares.
Em 2025 é o sexto ano consecutivo em que a Junta de Freguesia de Vila Alva e o Município de Cuba organizam o “Provando o Tareco”. O nome é uma referência ao vinho que, há umas décadas, todos faziam em suas casas, usando o tareco, uma pequena tina de barro.
Nas vilas mais próximas, com forte tradição do vinho de talha, a festa é parecida, embora mais formalmente organizada, como acontece na Rota do Vinho de Talha em Vila de Frades, que nos últimos anos se promove como Capital do Vinho de Talha. Aí, os vários produtores têm visitas e provas, com cante ou concertos: a Gerações da Talha, por exemplo, faz a abertura das suas talhas a 11 de novembro e no fim de semana de 15 e 16 abre a adega ao público para um magusto.
Voltemos ao ponto alto do fim de semana em Vila Alva: o sábado, por volta do dia de São Martinho, que só é anunciado em cima da hora, porque há que confirmar o estado de fermentação certo do vinho.
Ao final da tarde, a adega do Manuel Fernando, aberta a todos, começa a ganhar visitas. É a mais próxima da entrada da vila e as paredes estão cobertas de talhas, as grandes ânforas de barro onde deixam o vinho a fermentar.
O processo é de tradição romana, ancestral, mas aqui é tratado com familiaridade, as mesas estão postas com queijinhos, azeitonas e pão e os copinhos de três servem-se das torneirinhas da talha a qualquer um que entre.
Se num instante estávamos envergonhados, quase sozinhos e estrangeiros, de repente a adega está cheia com aquela reverberação de som típica de um pé direito alto. Com todas as bocas molhadas, sem aviso, começa o cante.
Por esta altura, qualquer forasteiro está já convencido e auto-felicita-se por ter resistido àquelas horas de vazio — como se diz: gratidão. Isto ainda não é nada. Compre um barrilzinho de vinho — um tinto, outro branco — mas não exagere no afã de levar este momento para casa porque a peregrinação ainda nem começou.
Quando decidem que a Adega do Manuel Rui já deu o que podia — quem decide, não sabemos, talvez seja uma inspiração coletiva — seguimos todos em horda para a próxima.
Já há instrumentos (umas violas, acordeão) e as cantigas alentejanas são animadas. Tanto que o habitual minuto de caminho até à Adega do Mestre Daniel se prolonga. Esta é a mais profissionalizada das adegas de Vila Alva, com uma marca comercial de vinho, a XXVI Talhas.
Aqui volta a provar-se o vinho novo, a cantar e começam a revelar-se os prevenidos que trazem petiscos de casa. Como é habitual há décadas, o dono da adega dá o vinho e os convidados trazem qualquer coisa para forrar o estômago. No passado esta era a regra também para os dias seguintes — as adegas só fechavam quando deixasse de haver vinho.
Quando se inicia a romaria até à última adega já é noite e o desfile, muito maior, sempre cantante. Na Adega do Panóias, mais pequena, há quem já se tenha prevenido e chegado mais cedo. Os homens maduros sentaram-se à mesa com o coelho frito trazido de casa, a sua maçã e canivete. Até se acha algures um abacate: finalmente descobrimos a maneira certa de o comer — e não é em tostas.
Na do Panóias até se serve um jantar aos amigos — uma cabeça de porco com pão e, no final, os magníficos croissants folhados de Vila Alva, cheios de banha e açúcar, feitos na Padaria Vilalvense.
Neste ponto da festa, é difícil que, mesmo sozinho e novo em Vila Alva, não se conheça já alguém. Na era das experiências fabricadas ao detalhe, é uma maravilha entrar numa celebração sem programa, horário ou mestre de cerimónias, onde toda a gente é acolhida.
É a tradição passada de ano a ano e o bem receber honesto que levam esta festa em frente. A alegria do vinho ajuda, claro, e este deve ter qualquer coisa de religioso, porque junta tanta gente a cantar (e a beber) como se fosse uma.
Muito cuidado, aliás, com a parte do beber. O vinho é leve; o tempo está frio e um golinho parece uma boa maneira de aquecer; há sempre quem nos encha o copo muito além da nossa vontade. Só quando o barulho pára é que nos apercebemos de que o vinho é novo, mas não é inocente.
Provando o Tareco. Vila Alva, Beja, de 14 a 16 de Novembro.
Magusto na Gerações da Talha. Vila de Frades, Beja, de 14 a 16 de Novembro.
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