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No final dos anos 1980, José Nobre subia a escadaria da Assembleia da República sem saber muito bem como fazer o que queria fazer. À entrada, a segurança disse-lhe o previsível, que não podia estar ali, mas José Nobre lá foi andando com a conversa, disse-lhe que precisava de falar com o chefe dos contínuos. “Com o Sr.Delfim?’ — ‘Exatamente, com o Sr. Delfim’, eu não fazia ideia de quem era o Sr. Delfim”, conta mais de 35 anos depois.
A ideia tinha sido do contabilista do seu restaurante, o Constituinte, na rua de São Bento: era preciso ir à Assembleia da República convidar os deputados a visitar o restaurante. Assim poderia tirar verdadeiro partido da localização e ter a casa sempre cheia. José Nobre não estava convencido com a ideia e, quando se encheu de coragem, foi com o Sr. Delfim que se aconselhou.
Convidou-o a jantar no Constituinte, “para ver se estava à altura dos nossos deputados”, e depois de passar nessa prova o funcionário aconselhou-o: “Escreva uma carta a apresentar o seu restaurante, eu dou-lhe os tópicos, faça 250 cópias”.
Abrir um restaurante perto da Assembleia não tinha a intenção de servir as mais altas figuras de estado e a classe política. “Era o espaço que podíamos pagar”, diz Justa Nobre, mas foi essencial para conquistar a clientela ilustre que o casal cultiva até hoje no restaurante com o apelido como nome próprio.
Este é o restaurante da família há 35 anos, conhecido por ter sido a sala de jantar de todos os partidos democráticos, de Mário Soares a Passos Coelho. Incontornável na cozinha portuguesa, com o traço criativo de Justa Nobre, e uma lição de bem-receber: o Nobre é uma instituição.
O restaurante Constituinte foi uma espécie de proto-Nobre. Durou dois anos, mas rapidamente se tornou famoso entre deputados e com uma coluna de Manuel Luís Goucha no Olá Semanário a notícia espalhou-se; com uma crítica no Expresso, por José Quitério, apareceram as filas à porta. A clientela ficou tão agarrada pelo estômago e pela simpatia e descrição do serviço que, em 1990, não se importou de passar a atravessar Lisboa para ir ao novo restaurante do casal, O Nobre, na Ajuda.
“Quando chegámos ao espaço, parecia uma casa de meninas”, brinca José Nobre lembrando a decoração pesada, cheia de cortinas, e os muitos “privados”, salas para pequenos grupos. Depois de uma decoração nova, abriu para receber empresários e toda a classe política — na caderneta de cromos faltava só Mário Soares, o Presidente da República, que José Nobre já tinha convidado.
Apareceu sem aviso em 1991 e, por acaso, havia mesa. Uns dias depois, já não se repetiu a sorte. “Fiquei a sentir-me tão mal por mandar embora o Sr. Presidente, que nessa tarde fui falar com a secretária dele. Ela disse-me ‘não se preocupe com desculpas. Ele já mandou reservar mesa para a semana”, relembra o dono do Nobre.
“Houve um mês em que o doutor Mário Soares foi lá 20 e tal vezes”, conta Justa Nobre, recordando que gostava de pratos simples — antes do Fortimel de Rebelo de Sousa, umas iscas eram um prato perfeitamente presidenciável.
No Nobre da Ajuda e no do Campo Pequeno, para onde o restaurante se mudou nos anos 2000, José Nobre ouviu fechar negócios, debater assuntos de Estado e tricas partidárias — algumas de lhe fazer cair o queixo e arregalar os olhos mesmo à frente dos protagonistas.
Estes clientes nunca se calaram na sua presença, sempre confiaram na sua descrição. “Houve quem ganhasse fama por tirar fotos com toda a gente, nós ganhámos fama por não tirar fotos com ninguém”, resume Justa Nobre.
A privacidade sempre foi etiqueta da casa, mas também a simpatia do serviço para doutores, engenheiros e arquitetos — “sempre aprendi a tratar assim os clientes”, diz José Nobre — ou para os curiosos com a cozinha da chef da televisão, à procura de uma noite especial.
“Lembro-me de uma mesa que pediu a sopa de santola e dividiram um prato. Apercebi-me que alguém fazia anos e disse ao chefe de sala que lhes fosse oferecer um bolo de anos. Nós não sabemos os sacrifícios que as pessoas fizeram durante o mês para vir aqui. Venham com promoções e descontos ou não, eu tenho de receber sempre bem as pessoas”, diz José Nobre.
Com esta filosofia, os restaurantes do casal fizeram escola no serviço de sala e José Nobre é, para muitos, o mestre deste assunto no país. Mas o que primeiro agarra os clientes a um restaurante é a comida: aí não há volta a dar, diz Justa Nobre.
Nem com a entrada em cena das tendências internacionais e dos produtos estrangeiros Justa vacilou na sua ligação à cozinha portuguesa e na inspiração que uma visita ao mercado lhe podia trazer.
“Sempre fiz cozinha portuguesa sem medo de fazer cozinha portuguesa, porque comecei a perceber que, com as mulheres a trabalhar, ninguém comia estas comidas em casa. Nos anos 90, o que era de fora é que era bom, mas eu tinha a casa cheia para comer a minha cozinha portuguesa”, declara.
Justa Nobre nasceu numa família de sete irmãos, na aldeia de Vale de Prados, em Trás-os-Montes, e foi por acaso que se tornou cozinheira. Ajudou ser, entre todos os manos, a que mais gostava de cozinhar e, quando chegou a Lisboa — como tantas jovens do interior nos anos 1970 — casou-se jovem e ganhou fama de boa cozinheira em casa.
Foi o patrão de José Nobre que, em 1978, decidiu que Justa ia chefiar a cozinha do seu novo restaurante, o 33, junto à Avenida da Liberdade. Justa tinha 21 anos, uma idade de inconsciências, segundo a própria. “Não queria ficar mal. De tarde imaginava os pratos que ia fazer à noite”, conta.
Assim evoluiu e criou, entre outros pratos, o que viria a ser o emblema da sua casa, a sopa da santola. “Em todo o lado havia sopa de marisco, mas eu não gostava de nenhuma”, conta. Com a tal inconsciência da idade, comprou as santolas que viu na praça sem nunca as ter cozinhado. Fez a sopa e perguntou ao marido, que fazia o serviço de sala, “quem é que está aí de importante para provar?”. Até hoje não foi preciso mudar muito nessa primeira tentativa.
No Nobre (1 Sol Guia Repsol 2025), pode haver na mesma ementa uns rolinhos de vitela ou de linguado, uns canelones de sapateira com manga e uns butelos com casulas de Trás-Os-Montes, uma cataplana de peixe ou uma coxa de galo do campo. “Não tenho problemas nenhuns em cozinhar aquilo que me apetece. Eu faço uma jardineira — que as pessoas acham que é cozinha de restos — e vende. Faça umas pataniscas ou uma lagosta flamejada, os meus pratos saem”, afirma.
O que em casa é prato de aproveitamento, aqui faz-se com ingredientes de primeira, com mão de cozinheira afoita e conhecedora. Na sala está um gentleman à portuguesa. É a receita para fazer um restaurante histórico em Lisboa.
O Nobre. Av. Sacadura Cabral 53B, Lisboa. Todos os dias das 19h15 às 23h; de domingo a sexta, das 12h às 15h. 217 970 760.
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